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Carta à greve #3: Uma análise das disputas internas à greve e dos desafios para a radicalização de base

Nossa terceira carta à greve chegou com os ventos de rebeldia e resistência das oprimidas do mundo! Chega em meio a revoltas contra o projeto neoliberal na América Latina do povo no Haiti, Argentina, Equador e Colômbia, também em pleno ataque genocida do Estado turco à revolução social no Curdistão. Nessa carta, queremos sugerir que nossa greve aqui na UFSC ainda não chegou ao fim.

¿Cómo luchan los pueblos del Ecuador? Diciendo-haciendo, diciendo-haciendo, diciendo-haciendo, ¡carajo!

1. Temos entidades nacionais, mas não vemos nacionalização das lutas

Os dias 02 e 03/10, chamados nacionalmente por UNE, ANPG, FASUBRA, SINASEFE e ANDES como paralisação de dois dias de luta da educação, não se concretizaram como acúmulo de forças na maioria das cidades brasileiras. Apesar da urgência dos ataques que sofremos nacionalmente e dos exemplos de luta na UFFS, UFSC, Unipampa e UFSM, essas datas não apontaram para a radicalização das lutas. Em partes por intenção explícita das principais forças políticas à frente dessas entidades nacionais, que não mobilizaram para as atividades e que buscam isolar a proposta de greve geral por tempo indeterminado. O ato realizado em Florianópolis, apesar de levar cerca de cinco mil pessoas às ruas, foi marcado por dois fatores que desanimaram a mobilização.

O primeiro deles foi a UNE. De cima do carro de som, a manifestação foi coordenada por estudantes da UNE vindos de outras cidades para nos enquadrar. A posição de quem vê uma manifestação de cima, típica do carro de som, já é geralmente antipática e autoritária, mas foi levada ao seu extremo no último ato: além de usarem o carro de som para propagar uma linha política rebaixada e desanimadora, sufocando o chamado pela greve geral, demonstraram sua total desvinculação com a militância nas ruas ao desconhecer as palavras de ordem escolhidas popularmente nos atos de Floripa, que foram cantadas sistematicamente fora dos seus ritmos usuais. É uma vergonha que a UNE, com o aval do DCE UFSC, que a constroi e dá legitimidade, concentre suas forças em mandar militantes para disputar nosso ato, em uma cidade em que a luta já tem seus contornos mais fortes e combativos, ao invés de buscar atuar em suas outras bases locais, impulsionando a mobilização. Isso demonstra, enfim, o verdadeiro objetivo a que a entidade se propôs com sua visita, que é frear nossa luta.

O segundo fator foram as práticas espontaneístas e oportunistas que, dentro do Movimento UFSC contra o Future-se, fizeram do ato um espaço de disputa por protagonismo, deixando nossa pauta em segundo plano. Por que isso ocorreu?

2. Contra o dirigismo explícito, um dirigismo informal ainda mais ilegítimo

O que estamos chamando aqui de dirigismo não é a tentativa de disputar uma orientação tático-estratégica para o movimento, tarefa política legítima para as organizações políticas e mesmo para sujeitos independentes. O dirigismo se expressa quando a busca por se legitimar e apresentar como liderança é visto como tarefa primordial, colocada acima da busca por fazer avançar a força e as conquistas da luta. É essa intenção de formar referência e ser visto como vanguarda que leva diferentes grupos a disputar quem faz mais falas, quem reivindica a glória de ter proposto determinado encaminhamento, puxado determinada ação – e, pior, quem é mais radical ou quem faz a crítica mais devastadora ou difamadora do grupo adversário. Tais disputas tiram do centro do debate a discussão honesta sobre nossas estratégias e nossos objetivos, impedindo a crítica e autocrítica feita com disposição, não só de assumir os próprios erros, mas de reconhecer os acertos das organizações e movimentos não alinhados. Visto dessa forma, identificamos dirigismo tanto na diretoria do DCE quando na atuação do Movimento UFSC contra o Future-se.

O início do Movimento UFSC contra o Future-se está marcado por uma vontade legítima de fazer a luta acontecer, impulsionada por uma incapacidade do DCE em acessar as bases dos cursos e transformar a luta em algo menos centralizado do que a representação burocrática da entidade, inclusive ao não incorporar táticas de luta surgidas fora das organizações que compõem a gestão. No entanto – mesmo com algumas organizações e entidades participando das reuniões iniciais que levaram a formação do Movimento – ele surgiu sob o discurso de rejeição ao movimento estudantil e suas entidades. É a partir dessa narrativa que ele se desenvolveu cada vez mais como uma minoria radicalizada, sem disposição para construir as entidades de base, cujas ações se voltam à disputa e ao ataque contra o DCE.

É necessário apontarmos uma derrota ideológica ao individualismo nesse processo. Enquanto nossas principais lutas nos últimos anos foram organizadas por articulações de entidades – seja por uma rede de CAs à esquerda do DCE, pela Comissão Unificada, pela Coordenação Estadual de Entidades em Defesa da Educação Pública (COEEDEP) ou pelo Fórum de Lutas – agora estamos dependendo de uma articulação de indivíduos, onde a participação coletiva de estruturas de base é mal vista, chegando ao limite de considerar acordos coletivos e a participação da base como formas de burocratizar ou frear a radicalização. A luta, com pretensão de radicalidade, se torna uma tarefa relegada a poucas pessoas, aquelas “capazes” ou “iluminadas” para fazer tal ou qual ação. E, pior, justo na principal mobilização estudantil dos últimos três anos, quando estamos formando uma nova geração de militantes.

Um comentário à parte deve ser feito sobre a Juventude pela Revolução Brasileira (JRB) e o fetiche dirigista. A organização lançou o primeiro posicionamento público pelo fim da greve na UFSC e, hoje, junto com as organizações que compõe o DCE, fazem a frente de defesa do final da greve. O grupo construiu e insuflou a proposta de greve enquanto foi conveniente, a fim de se apresentar como alternativa mais radical ao DCE UFSC, com o qual essa organização rompeu. No entanto, pouco tempo após o início da greve, quando a JRB se vê incapaz de dar a linha política do Comitê de Greve ou hegemonizar o UFSC contra o Future-se, se volta rapidamente contra a greve, atuando para desmobilizá-la nos cursos.

3. A tirania das organizações sem estrutura

Um coletivo não é mais ou menos vanguardista e autoritário pela ideologia que diz possuir, mas sim por sua forma prática de organização e postura nos espaços de construção política. Ainda que não existam chefes ou lideranças eleitas, coletivos que não possuem uma estrutura interna com distribuição de tarefas e acordos coletivos de organização abrem espaço para lideranças autoritárias informais. É o que acontece em um bloco de rua que tenta arrastar pessoas para tomar a frente de um ato sem nem mesmo apresentar às pessoas a proposta do que será feito, ou o que acontece em uma reunião aberta do movimento em que as principais linhas a serem tomadas já foram discutidas antes entre um núcleo duro – mesmo que se apresente como independente ou autônomo.

Em nossa greve, essa criação de autoridades informais se aliou a uma forte meritocracia tarefista – quem participou de mais reuniões ou organizou mais ações de greve se vê na posição de quem pode decidir mais coisas e se torna imune a críticas. Não causa surpresa que essa postura afasta muitas pessoas da construção coletiva, especialmente estudantes mais novas, com menor histórico de ações ou conhecimentos práticos da luta, como coordenar reuniões, diagramar panfletos, fazer cola de lambe, montar um piquete, etc. A militância se torna tarefa de especialistas, aos quais as novatas devem obedecer ou sair de perto para não atrapalhar.

Valorizamos a importância do UFSC contra o Future-se para a greve que temos hoje. O Movimento fez a greve se tornar possível, possibilitou assembleias massivas e uma grande publicização das ações com produção de material, assim como tem pautado a fundamental ida de estudantes a outras cidades. Frente às dificuldades organizativas e o freio de mão puxado por alguns setores, conseguiu rapidamente puxar ações e iniciativas de luta que saíam do papel e, assim, deram vazão à vontade de atuação de muitas e muitos estudantes, inclusive nós. No entanto, esse polo aglutinador também levou ao esvaziamento de centros acadêmicos e espaços de base; e, neste momento, só a capacidade de construir a radicalidade dentro de cada curso e programa, com amplos setores, pode manter viva nossa greve. Forma de atuação esta que é oposta a se isolar em ações não discutidas nos espaços de representação de base, como os Comitês de Greve.

Consideramos que a situação de desarticulação nas bases de vários cursos é fruto desse processo espontaneísta e sectário de construção da greve. A primeira tarefa de cada estudante que acredita nessa luta é conversar e construir com as pessoas que estão na mesma situação que a sua, ao invés de conversar apenas com seu grupo de afinidade política. A melhor ação a se tomar não é aquela que gera mais adrenalina, mas aquela que produz mais força coletiva.

4. Nossa greve é muito maior do que essa disputa por protagonismo

Estamos entrando agora na sexta semana de nossa greve. Apesar de muitos cursos não terem efetivado a greve e outros já terem saído dela, o fato é que, neste momento, ainda temos greve na maioria dos cursos do CFH, CED, CCB, CCE e CCA, além de alguns cursos e programas em outros centros. Não por acaso, muitos desses espaços são aqueles que tiveram atuação cotidiana de seus centros acadêmicos nos últimos anos, em especial com forças políticas à esquerda do DCE UFSC.

Ao invés de interpretar a greve a partir das posições tiradas por cada organização política, é necessário olhar para essa base, constituída por milhares de estudantes que ousaram lutar, enfrentar professores, a mídia e o governo para afirmar interesses coletivos: garantia de suas bolsas, sua alimentação, educação pública e o emprego de tantas trabalhadoras terceirizadas. Se outras forças políticas olham para essas maiorias com desinteresse, ou como uma massa amorfa para ser conduzida, é papel de quem acredita na ação coletiva e de base priorizar a participação nesses espaços e analisar a greve partindo desse ponto de vista, de sua estratégia e vontade de lutar. São esses os sujeitos que decidem se a greve continua ou não, pois são eles que a fizeram acontecer desde o início.

Abaixo do radar da maioria das análises, a mobilização nas bases dos cursos nos mostra um processo de formação política; ida para as praças e escolas; articulação nacional; vínculo com trabalhadoras de todas as categorias da UFSC, incluindo terceirizadas; e participação em outras lutas que já acontecem fora da universidade. Um caldo de construção e vínculos que pode dar reflexos importantes para os próximos anos, dependendo da capacidade de nossas entidades, movimentos e coletivos de acolher a militância que se forma no processo.

5. Nossa tarefa, seja na greve ou após dela, é construir a radicalização de base

A greve estudantil na UFSC vem revelando a necessidade e o potencial da articulação das milhares de estudantes na luta em defesa de uma educação a serviço do povo e de uma formação que possibilite que decidamos o futuro que queremos construir. Enquanto o Programa Future-se segue avançando nas instâncias de poder do governo, trabalhadoras terceirizadas da UFSC seguem demitidas e o orçamento para as universidades públicas segue reduzido para o ano que vem. Caminhamos para o retorno à universidade restrita à elite branca do país, enquanto a população caminha para a fila do desemprego. Isso só mostra que nossa luta deve seguir e que devemos seguir fortalecendo as bases, nos formando e construindo horizontes coletivos que nos permitam agir também coletivamente.

Essa construção deve ser permanente e se dar de forma organizada, na criação de relações de confiança e aquisição de sentido às ações realizadas. É necessária a articulação com estudantes independentes, evitando uma atuação difusa, desgastante e individualizada, capaz de crítica e autocrítica; é necessário reconhecer que as vitórias são possíveis quando vemos no fortalecimento das bases a razão de engajamento na luta e a garantia de um horizonte comum e significativo; é necessário admitir que ser radical somente é revolucionário e muda a vida quando essa radicalização é desde a base, de forma massiva. É o exemplo que a luta popular no Equador tem nos dado; milhares de indígenas ocupam Quito organizadas em sua entidade, a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), que desde 1986 faz trabalho de base e agrega força social para que neste momento possa tomar as ruas, avançando com o povo oprimido contra o projeto neoliberal que toma toda a América Latina. Protagonizada por um povo organizado, vemos na radicalidade equatoriana a ação coletiva como seu motor de luta e no dizer-fazer sua estratégia.

CONSTRUIR DESDE A BASE UMA GREVE FORTE!
EM TODA A AMÉRICA LATINA, LUTAR DIZENDO-FAZENDO, DESDE ABAIXO E A ESQUERDA, CARAJO!

Resistência Popular Estudantil – Floripa
14 de outubro de 2019

Carta à greve #2

Mesmo com a greve das trabalhadoras e trabalhadores dos Correios, nossa segunda carta chegou. E é justamente sobre a adesão nos últimos dias a essa tática, dentro do campo da educação e nas demais categorias da classe trabalhadora, que queremos refletir em nossa segunda escrita coletiva sobre impressões e esperanças da greve que se desenha na UFSC. Embora a categoria docente tenha optado, na semana passada, por não aderir à greve de tempo indeterminado, acreditamos que temos bons motivos para continuar com toda a força.

1. No embalo domovimento da UFSC, já vemos outras universidades pautarem a greve

Nossas companheiras e companheiros de outras universidades nos enchem de uma alegre rebeldia e da certeza de que essa luta está para muito além de nós. Desde 17 de setembro, as estudantes do campus Jaguarão da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) estão paralisadas em luta. Na UNESP de Marília (SP), houve paralisação nos dias 18 e 19 de setembro com chamado a uma Greve Nacional da Educação. As docentes da UFPR, nossa vizinha do Paraná, tiraram indicativo de greve por tempo indeterminado e assembleias estudantis também têm discutido a construção da greve. Na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), a Reitoria foi desocupada após a vitória na reivindicação pelo pedido de destituição do interventor Recktenvald, a ser aprovado no Conselho Universitário – decisão acompanhada de perto pela categoria docente, que discute uma greve por tempo indeterminado caso o interventor não saia.

2. A luta pela educação é também uma luta contra o desemprego

Enfrentamos tempos muito difíceis para a educação pública, mas não podemos perder de vista que a vida está dura para todo o povo. Neste ano, foram milhares de pós-graduandas e pós-graduandos com as bolsas cortadas, retribuição que é a única fonte de sustento de muitas trabalhadoras que produzem pesquisa no país. Realizar produção acadêmica e científica é uma forma de trabalho importante para a sociedade, que ocupa tempo e esforço significativos, mas que opera em uma lógica de precarização ao não oferecer salário real nem direitos trabalhistas. Por isso, cortes nas bolsas são sinônimo de aumento do desemprego em massa que vive a classe trabalhadora brasileira!

Além disso, os cortes no orçamento da UFSC levaram à demissão de quase 100 trabalhadoras e trabalhadores terceirizadas. Por todo o Brasil, esses cortes significam mais milhares de pessoas sem emprego. Essa situação só reforça o atual quadro de crescimento alarmante dos trabalhos precarizados e sem direitos, os fenômenos da terceirização e uberização que avançam junto com o projeto neoliberal, explícito em propostas como a Reforma Trabalhista, aprovada em 2017.

A verdade é que o “trabalhador brasileiro é tratado que nem lixo”! É fundamental que nossa greve fale alto e fale sempre: estamos na luta junto ao povo por serviços públicos, direitos sociais e por mais emprego!

3. A precarização do trabalho e aumento no custo de vida serão enfrentadas com luta popular e mais greves

Porém, que nem o Criolo, estamos “pra ver um daqui sucumbir”. Historicamente a precarização da vida sempre foi respondida através de lutas coletivas por melhores condições. O aumento do custo de vida, aliado às altas taxas de desemprego e sub-emprego, são uma afronta direta à classe trabalhadora que é sentida na pele.

A greve é uma maneira concreta de responder àqueles que nos roubam lá de cima, em um projeto colocado em prática pelo Estado e o mercado. Assim, ressaltamos que trabalhadoras dos Correios começaram recentemente a primeira greve nacional deste ano, na luta contra a privatização da companhia pública que, desde 1663, possibilita a correspondência entre gente dos mais diversos lugares. Quem não lembra do filme Central do Brasil e tudo o que uma carta carrega na história de nosso povo?

Além dos Correios, trabalhadoras da CELESC (Centrais Elétricas de Santa Catarina) estão para entrar em greve na próxima segunda-feira, dia 23, reivindicando o que a empresa não cumpriu desde o último acordo. A categoria dos petroleiros também está em estado de mobilização e há discussão sobre greve, após a intenção da Petrobras em não renovar o Acordo Coletivo de Trabalho – a proposta da empresa foi rejeitada e, neste momento, há mediação junto ao Tribunal Superior do Trabalho. A categoria dos caminhoneiros é mais uma que discute a possibilidade de greve, frente ao não cumprimento das tabelas mínimas de frete e o aumento do diesel anunciado na última semana.

4. Construção da greve com a força de cada setor que luta ao nosso lado

É dentro desse panorama de lutas, indignação popular e grandes necessidades materiais que nós começamos há duas semanas uma greve estudantil e chamamos o país a uma greve nacional da educação. Nossa pauta é justa e urgente: as bolsas que sustentam nossas pesquisadoras, o dinheiro que garante o emprego das trabalhadoras terceirizadas, a manutenção do restaurante que nos alimenta e a continuidade da educação pública, acessível às classes oprimidas. A verdade é que não temos nem mesmo do que abrir mão: são reivindicações básicas que cada uma de nós precisa.

A vitória do movimento grevista é incerta, é verdade. Porém, nossa escolha foi feita na coragem e na certeza de que a ação direta é a arma que nos temos. Temos a certeza da história vitoriosa de greves construídas em todo o mundo, em que o povo organizado conseguiu fazer valer seus direitos e sua vida digna. Também temos a certeza de que não estamos sós: a luta se expande por toda parte onde há injustiça. Se a Amazônia queima nas mãos do latifúndio e a violência policial é norma nas periferias de Florianópolis e do Brasil, é com uma greve geral que conseguimos unir nossas indignações e dar um basta a esse projeto de morte.

Dentro da UFSC, temos a decisão das servidoras técnicas pela greve nesta semana. Também temos quase 400 docentes que votaram pela greve por tempo indeterminado e novas ações de mobilização que serão propostas, incluindo a adesão aos dois dias de paralisação nacional da educação – que só terá qualquer utilidade se servir para impulsionar a construção da greve nacional por tempo indeterminado, o quanto antes.

A luta não para no primeiro obstáculo. Sem perder a fé em nós e em nosso horizonte de vitória: se a luta parece incerta, encontremos a certeza nos olhos de nossas compas lado a lado, dentro da UFSC, nas outras universidades em que a luta se fortalece, nos Correios, na CELESC e nas demais categorias em luta!

NÃO TÁ MORTA QUEM PELEIA!
RUMO À GREVE GERAL!

Resistência Popular Estudantil – Floripa
23 de setembro de 2019

A UFSC decidiu acender o pavio da revolta: nossa luta vai criar um mundo novo

o que transforma o velho no novo
bendito fruto do povo será

A luta em defesa da universidade pública, contra os cortes de verba e a privatização viveu momentos agudos nas últimas duas semanas na UFSC. O impacto dos ataques orçamentários de Bolsonaro foram sentidos na pele com a demissão de, no mínimo, 95 trabalhadoras terceirizadas, a queda da qualidade no Restaurante Universitário e o aumento dos roubos ao patrimônio nos campi. Além disso, foram anunciados o fim da SEPEX, maior evento de extensão da universidade, o corte de diversas bolsas e a data de fechamento do RU. Essas notícias culminaram com o final da fase de discussão universitária sobre o Programa Future-se, tornando explícito o que sempre denunciamos – o sucateamento e a privatização são duas facetas do mesmo movimento por parte do governo e do grande empresariado.

Na segunda-feira (02/09), a luta estudantil e sindical mobilizou a maior assembleia da história da UFSC, com a presença de cerca de cinco mil pessoas. A discussão, que tinha como previsão o foco no Programa Future-se, se tornou uma gigantesca plenária de luta que aprovou massivamente a proposta de Greve Nacional da Educação, o apoio à Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), que sofre intervenção do Governo Bolsonaro, a suspensão do vestibular enquanto o governo não devolver as verbas e a rejeição total ao Future-se. Na terça, o Conselho Universitário reuniu novamente milhares de pessoas e decidiu, quase de forma unânime, pela rejeição integral ao Future-se. Nesta mesma semana, dezenas de assembleias estudantis aconteceram nos cursos, atingindo a marca de mais de 20 cursos em greve e mais dezenas em estado de greve para a semana seguinte.

A mobilização cresce de forma explosiva e tudo indica a consolidação, em Assembleia Geral Estudantil na próxima terça (10/09), da tática da greve como meio de defender a universidade de seu fechamento total ainda neste ano, pela asfixia orçamentária.

Por que a luta vingou aqui e agora

Na análise que fizemos logo antes do 15 de maio¹, já apontávamos que se iniciava um novo ciclo de lutas estudantis construídas desde a base. A percepção da seriedade dos ataques e da necessidade de articular uma resposta nas ruas resultou, no semestre passado, na primeira onda de dezenas de assembleias de curso e de organização para o enfrentamento. Embora muito tenha sido falado sobre o desânimo coletivo que vivemos frente à enxurrada de retrocessos, a verdade é que houve muita disposição para construir os atos e greves dos dias 15/05, 30/05, 14/06 e 13/08, um processo que nos traz ao atual levante – e as lutas nas próximas semanas prometem elevar ainda mais a combatividade.

É verdade que a luta estudantil em Florianópolis foi, este ano, mais expressiva do que na maioria das grandes cidades do país. Isso acontece por vários fatores, como a alta proporção da cidade que tem vínculos diretos com a UFSC – uma comunidade universitária de mais de 30 mil pessoas em uma cidade com menos de 500 mil – e o papel histórico das estudantes nas grandes lutas da cidade. Contribui também uma presença relativamente maior de setores mais à esquerda nas ruas e na organização dos atos, incluindo muita militância independente, bem como libertários e marxistas – desde o primeiro ato, houve muito mais palavras de ordem contra a Reforma da Previdência e contra os cortes do que pautas eleitorais, como o Lula Livre, que roubam a cena das reivindicações materiais e ainda afastam setores da população que estão cansados da política partidária.

No contexto interno da UFSC, a mobilização contra o Future-se começou no meio do recesso de julho e conseguiu ganhar força ao longo do primeiro mês de aulas, sem desanimar, principalmente pela ação do Movimento UFSC Contra o Future-se e a ação de algumas entidades, como a Associação de Pós-Graduandos e alguns Centros Acadêmicos, que por fim levaram de arrasto o Diretório Central dos Estudantes e as organizações estudantis vinculadas a ele. Consideramos esse espaço vitorioso em agitar a forte mobilização do atual momento, mas insuficiente para a articulação e coordenação da nossa greve, tarefa que só pode ser feita junto à representação coletiva de cada curso e categoria, tirada em assembleias e reuniões de base, bem como de estudantes em seus centros acadêmicos, trabalhadoras em seus sindicatos, organizações políticas, coletivos, etc.

A existência de organizações políticas e entidades estudantis que atuam às vezes como donos, às vezes como freio das lutas, não pode nos levar a recusar a tarefa de construir entidades de massa e organizações políticas que estejam à altura das tarefas a que estamos sujeitos. É só através do aumento da organização que se constrói um povo forte, capaz de traçar um horizonte e uma estratégia radical de fato.

Uma greve que se alastra e incendeia a indignação do conjunto do povo

Greve ou indicativo de greve foi uma escolha quase unânime nas assembleias estudantis da última semana. No entanto, as categorias de servidoras técnicas e docentes ainda não esboçaram uma resposta à altura, como fizeram em outros momentos de ameaças à universidade pública, como na proposta de reforma universitária do governo FHC na década de 1990. Enquanto trabalhadoras terceirizadas estão sendo jogadas na rua, a categoria estudantil mostra, mais uma vez, que é dela que costuma partir a radicalidade das principais lutas no campo da educação, como aconteceu nas ocupações de escolas e universidades de 2015 e 2016.

Ao mesmo tempo, não haverá uma forte Greve Nacional da Educação se não formos capazes, antes, de estimular uma greve de TAEs (trabalhadoras técnico-administrativos em educação) e docentes na UFSC. Muitas das trabalhadoras com vontade de lutar ainda avaliam que a UFSC é incapaz de ser a ponta de lança da greve em âmbito nacional e, por isso, apostam na espera. Isso exigirá de nós um trabalho insistente de panfletagens, batucaços, piquetes e ornamentação de cada sala de aula e corredor falando sobre nossa greve. Além das assembleias e reuniões, será no diálogo solidário em cada sala de trabalho que faremos esse debate. Mostraremos que nossa escolha está feita e não há como retroceder – escolhemos lutar agora e escolhemos lutar para vencer!

O Governo Bolsonaro é a versão extrema do projeto neoliberal de destruição de direitos e aumento da repressão. Após os últimos nove meses que radicalizaram fortemente o projeto já executado pelos últimos governos, o povo brasileiro acumula uma grande indignação com a situação social, o alto desemprego e a forte precarização, a destruição da Amazônia, o fim da aposentadoria, a violência e genocídio policial, a venda de todo o patrimônio brasileiro.

No contexto universitário, vemos a tentativa de um ataque fatal à produção de conhecimento, uma intenção explícita e ideológica de Bolsonaro em silenciar as universidades que se opuseram a ele – intenção que não escandaliza os aliados de Bolsonaro representantes do mercado, cujo projeto para o Brasil não precisa de produção científica própria, já que é de total subalternidade, exportando bens primários. Isso expõe, de forma escancarada, o quão inviável é a possibilidade de negociação com este governo. Nossa luta só será vitoriosa com a superação de todo o seu projeto.

A aposta que fazemos pela greve, neste sentido, só será bem sucedida se ajudar a instigar uma greve nacional da educação e, indo ainda mais longe, se vincular a outras greves e ações radicais de contestação. Isso exigirá articulação de nossas entidades de luta, mas também a invenção de novos laços entre a luta universitária e as demandas urgentes das comunidades populares.

A luta na UFSC repercute em toda a cidade de Florianópolis, já que muitas estudantes, de pós e de graduação, trabalham ou fazem estágios nos serviços públicos, em especial na saúde e na educação. O fechamento da universidade e a perda de bolsas por pós-graduandas residentes em saúde, por exemplo, prejudica não somente estas, mas toda a parcela da população que é atendida pelas estudantes em centros de saúde nos bairros.

Com a greve de milhares de estudantes e trabalhadoras da UFSC, estaremos juntas das demais lutas da cidade e não apenas resistindo contra o que nos tem sido retirado. Não faz falta a propaganda contrária a esse sistema de morte e opressão que vivemos; faz falta o exemplo e a confiança da possibilidade de se levantar contra ele e vencer!

Por uma greve viva e duradoura

O longo trajeto até que nossa greve estudantil se torne uma greve de trabalhadoras da UFSC e que contagie o conjunto das universidades do país já indica, por si só, que nossa resistência precisará ser longa – a tendência é que nossa vitória não venha nas primeiras semanas. Isso significa que precisamos de um planejamento de médio prazo e uma boa avaliação de onde dedicar nossas forças, sem desperdiçá-las de antemão, nem frustrar expectativas de estudantes que participam de sua primeira mobilização. Também sabemos, desde já, que impedir as aulas não será suficiente; precisaremos de uma greve viva e ativa, uma greve-mobilização.

Greve é um momento de ativar a energia que costuma escoar pelo ralo do produtivismo acadêmico: é o momento de se concentrar na luta revolucionária e pôr em prática um método de organização transformador, baseado na autogestão, na horizontalidade, na ação direta, no apoio mútuo e na solidariedade de classe. Greve é o momento de usar o espaço em que estudamos e trabalhamos de modo criativo, rompendo burocracias e entraves institucionais. Uma greve viva é feita pela base e presencialmente, com rodízio de funções: é o momento de debater o que não dá tempo de debater porque estamos em “sala de aula”, é o momento de ressignificar as salas e os corredores, de cozinhar e construir coletivamente, de colocar em jogo nossas vidas estagnadas pela rotina de exploração e inventar atividades visando o mundo que queremos, para contrapor de fato as opressões do mundo atual.

A organização de todo esse processo exige a construção de uma Articulação de Comandos de Greve, que esteja aberta a todas as categorias em greve e que coordene as principais tarefas de mobilização, que incluem logística, comunicação, embelezamento, articulação com a comunidade externa e com outras universidades, aulas e atividades, construção de atos. Depende também da criação e bom funcionamento de um espaço de mobilização permanente na universidade, que se mantenha constantemente ativo e aberto para as demandas e disposição de quem deseja construí-la: um espaço físico para trocas, reconhecimento, produção de materiais, alimentação, reuniões e atividades. Propomos que a Reitoria, ou até mesmo o Centro de Convivência, se torne esse local comum para toda a greve – mas, por enquanto, sem funcionar como uma ocupação em que gastamos nossa energia dormindo no chão e virando a noite em vigílias de segurança.

Lutar, criar, poder popular!

O processo de luta é um processo criativo. É na luta que a gente consegue entrever a sociedade que queremos construir, porque é na luta que podemos pôr em prática o que acreditamos ser necessário fazer para que ocorra a transformação. Se acreditamos na ação direta, nossa luta deve ser feita sem esperar que supostos representantes resolvam em reuniões fechadas nossos problemas. E podemos fazer atos horizontais, sem carro de som e discursos eleitoreiros! Podemos dizer o que acreditamos com a nossa arte nos muros, em zines, performances e canções: a luta é um contexto em que nos inspiramos e nos revelamos artistas, destronando críticos de arte assim como é na luta que destronamos outras autoridades. É na luta que os sonhos se encontram com as práticas, e tanto os sonhos quanto as práticas têm muito mais chance de acontecer quando são sonhados e praticados coletivamente, de modo organizado.

Uma barricada, por exemplo, precisa de várias pessoas para ser erguida e é bom contar com os conhecimentos de engenharia e química. Além disso, é muito mais fácil construí-la cantando a canção e o convite à luta da Revolução Espanhola de 1936, “A las barricadas!”. Toda luta precisa de propaganda, portanto pode ser bom unir conhecimentos linguísticos, jornalísticos e de design. Toda luta precisa da conscientização crítica sobre a conjuntura e os condicionantes que nos impedem de decidir construir nossa própria história, portanto precisamos de educadoras, historiadoras, antropólogas e sociólogas.

A transformação social passa pela construção permanente de conhecimentos e para isso precisamos de uma universidade a serviço do povo. A luta é um processo transdisciplinar e é espaço de expressão popular, manifestando-se no potencial e no desejo de mudança e construção por parte de indivíduos criativos, que se conscientizam na luta coletiva e anunciam um novo cenário social.

RUMO À GREVE GERAL!
MAIS FORTES SÃO OS PODERES DO POVO!