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Carta à APG-UFSC

A passagem pela pós-graduação tem um ritmo próprio, muitas vezes cruel para quem participa do movimento estudantil. Tem períodos em que podemos estar mais presentes, e outros que nem tanto – mas, acima de tudo, a participação tem uma data de validade que costuma ser cumprida à risca.

São esses compromissos da vida e a dedicação a outros espaços de luta que infelizmente levaram a RP, a partir de junho de 2021, a se retirar da gestão “Assum Preto” da APG-UFSC. Neste momento em que se encerrou oficialmente aquela gestão e uma nova gestão começa, deixamos essa carta de memória e agradecimento em relação a toda a luta, o aprendizado e o companheirismo que construímos juntas às estudantes de pós-graduação.

UM LONGO CAMINHO

Nossa participação na APG-UFSC começou durante a gestão “Pra quem tem coragem!” (2017-2018), em meio à mobilização da entidade sobre notícias de que faltariam verbas para o pagamento de bolsas CNPq. De lá para cá, dedicamos nossos esforços para construir cotidianamente a entidade e a mobilização estudantil da pós em resistência a outros ataques contra a Universidade

Isso significou denunciar os avanços do capital privado na UFSC, buscar transformar o perfil branco e elitizado de quase a totalidade do corpo docente e discente, rejeitar o Ensino Remoto, resistir aos massivos cortes de bolsas de pesquisa, lutar contra o produtivismo e o assédio, exigir políticas de permanência, entre tantos outros assuntos que atravessam o cotidiano da pós-graduação e que precisam ser urgentemente abordados.

Defendemos essas pautas dentro de comissões e colegiados institucionais sempre que possível, mas o principal foi a agitação que buscava construir redes mais fortes de solidariedade e luta na própria categoria. Em 2019, por exemplo, foi histórica a greve que construímos em defesa da educação pública. De 2020 em diante, atravessamos a pandemia resistindo para manter viva a luta e o apoio mútuo. E, se este ano de 2021 foi marcado por grande desgaste, também foi nele que houve a conquista das ações afirmativas na pós da UFSC, que entendíamos como pauta prioritária desde 2017. Evidentemente, as políticas recém implementadas ainda não são suficientes para democratizar o acesso de negras, indígenas, quilombolas, LGBTIA+ e pobres na Universidade, o que evidencia que essa luta ainda tem muito a avançar.

PRESENÇA LIBERTÁRIA NO MOVIMENTO ESTUDANTIL

Não é comum ver uma força política libertária compondo a gestão de uma entidade central estudantil, muito menos ocupar esse espaço durante quase 4 anos, sempre como um setor expressivo em nossas chapas de aliança entre grupos do campo socialista. Por isso, consideramos importante explorar o contexto e a motivação dessa experiência de atuação.

Não é como se o movimento de pós-graduação fosse altamente estratégico para a construção do poder popular e da revolução social. Mas acreditamos que existe luta social a ser feita em todos os espaços onde se apresentam as contradições do sistema colonial-patriarcal-capitalista.

Durante esses anos, vimos a luta da pós-graduação ultrapassar o estereótipo raso de que o movimento estudantil apenas briga por entidades de pouca relevância. A APG-UFSC se tornou um pé importante na disputa pela universidade pública e popular, dentro de uma etapa histórica de resistência, em que predominaram as derrotas e não os avanços. Montamos gestões da APG com dezenas de pessoas, estimulamos a organização de base com assembleias regulares em alguns PPGs, puxamos greves e campanhas, levamos blocos para a rua sempre que havia atos e causamos muita dor de cabeça nas instâncias da UFSC, mesmo quando a correlação de forças era bem desfavorável. Como maior entidade de pós-graduação de Santa Catarina, também fomos além da UFSC e demos força à luta pela prorrogação das bolsas Fapesc durante a pandemia e por investimento público na ciência catarinense.

Existem vários motivos conjunturais para isso ter sido possível. O crescimento geral da categoria; o aumento da parcela de jovens desempregadas que vieram para a pós como horizonte de sobrevivência; os cortes anuais nas bolsas; as pressões produtivistas. Outro fator é que a pós-graduação se conformou como ponta-de-lança das iniciativas privatistas na universidade pública, como vimos na pressão pelos cursos pagos, na entrada do ensino remoto, assim como nas relações íntimas entre empresas privadas e o direcionamento das pesquisas.

Sabemos que apenas uma direção de entidade não irá resolver todos os problemas da pós-graduação ou da Universidade. Isso depende de muita força social e um acirramento nas disputas contra os de cima, o que somente será alcançado com a mobilização ampla da categoria e com a articulação com outros setores oprimidos. A APG teve importância para nós como um primeiro passo de mobilização e articulação na pós-graduação, em um cenário de enorme isolamento da categoria. Um primeiro espaço que deve ser ocupado para chegarmos à Universidade que sonhamos, feita pelo e para o povo, socialmente referendada, preocupada com as necessidades populares.

Mas com ou sem a entidade, é apenas sob essa condição que o movimento estudantil pode ser uma força crucial na construção de um povo forte: quando consegue disputar as instituições educacionais no sentido das demandas do conjunto das classes oprimidas.

Aprendemos com a luta na pós-graduação que os ritmos de militância, assim como algumas pautas e identidades, são diferentes da graduação. Também vimos que a falta de referência organizativa do movimento estudantil de pós não é uma lei do universo nem uma imposição da atual estrutura universitária. Com trabalho de base e uma adequada linha política de agitação e organização, vimos estudantes da pós se reconhendo como sujeitos políticos e se mobilizando para transformar sua realidade.

Enquanto força libertária que compôs a APG-UFSC, nossa preocupação maior foi sempre a construção cotidiana e fazer avançarem as lutas, adotando posturas encaminhativas, combinando atuação junto à base e apostando em ação direta. Nosso interesse nunca foi a disputa para alcançar postos e/ou cargos de direção (que não existiam, na prática, enquanto atuamos na APG), nem conquistar referência política individual para as militantes da RP ou falar em nome de outras estudantes da UFSC. Contamos nesses anos com uma saudável – e rara – cultura de aliança entre diferentes grupos sob um programa de linha socialista e espaço efetivo para as lutadoras independentes, com honestidade e decisões de base.

Acreditamos que essas práticas – a gestão aberta, horizontal, colaborativa – tenham contribuído pra fazer da gestão um espaço acolhedor, um solo fértil onde práticas de resistência e transformação puderam florescer nos últimos anos. Nossa participação se encerra aqui, mas esperamos que tenha semeado um futuro tão formativo e combativo quanto o tempo que atuamos na entidade.

O FUTURO DAS LUTAS DA PÓS

O ano de 2022 está próximo e, com ele, virá o retorno das aulas presenciais e certamente uma retomada das mobilizações estudantis que se enfraqueceram durante esse período. A pós-graduação continuará, como vem sendo, a ponta de lança dos avanços privatistas e precarizantes da Universidade, como as recentes mudanças estruturais aprovadas na CPG e Conselho Universitário já demonstraram.

Quem vai enfrentar esse cenário será a chapa “Carcará”, única inscrita para a gestão da APG-UFSC (2021-2022). Convidamos todas as estudantes a conhecer seu programa de gestão e votar nela no dia 07/12. A chapa “Carcará” apresentou em seu programa político a proposta de manter uma gestão aberta e colaraborativa. Por isso, mais do que votar, aproveitamos esse texto para convidar todas as estudantes de pós-graduação da UFSC a construir a próxima gestão da APG.

A Resistência Popular não está mais no dia a dia da entidade, mas as militantes que passaram pela APG seguirão nas lutas em outros espaços e acreditamos que podemos contar com ela como parte de um campo político anticapitalista. A construção de uma Universidade que receba as classes oprimidas e que faça pesquisa, ensino e extensão a favor de suas necessidades coletivas é uma luta histórica, que começa com cada estudante de pós-graduação, mas que envolve todos os movimentos sociais. Seguimos na luta seguras de que a vitória nos espera.

MAIS FORTES SÃO OS PODERES DO POVO!

Carta à greve #3: Uma análise das disputas internas à greve e dos desafios para a radicalização de base

Nossa terceira carta à greve chegou com os ventos de rebeldia e resistência das oprimidas do mundo! Chega em meio a revoltas contra o projeto neoliberal na América Latina do povo no Haiti, Argentina, Equador e Colômbia, também em pleno ataque genocida do Estado turco à revolução social no Curdistão. Nessa carta, queremos sugerir que nossa greve aqui na UFSC ainda não chegou ao fim.

¿Cómo luchan los pueblos del Ecuador? Diciendo-haciendo, diciendo-haciendo, diciendo-haciendo, ¡carajo!

1. Temos entidades nacionais, mas não vemos nacionalização das lutas

Os dias 02 e 03/10, chamados nacionalmente por UNE, ANPG, FASUBRA, SINASEFE e ANDES como paralisação de dois dias de luta da educação, não se concretizaram como acúmulo de forças na maioria das cidades brasileiras. Apesar da urgência dos ataques que sofremos nacionalmente e dos exemplos de luta na UFFS, UFSC, Unipampa e UFSM, essas datas não apontaram para a radicalização das lutas. Em partes por intenção explícita das principais forças políticas à frente dessas entidades nacionais, que não mobilizaram para as atividades e que buscam isolar a proposta de greve geral por tempo indeterminado. O ato realizado em Florianópolis, apesar de levar cerca de cinco mil pessoas às ruas, foi marcado por dois fatores que desanimaram a mobilização.

O primeiro deles foi a UNE. De cima do carro de som, a manifestação foi coordenada por estudantes da UNE vindos de outras cidades para nos enquadrar. A posição de quem vê uma manifestação de cima, típica do carro de som, já é geralmente antipática e autoritária, mas foi levada ao seu extremo no último ato: além de usarem o carro de som para propagar uma linha política rebaixada e desanimadora, sufocando o chamado pela greve geral, demonstraram sua total desvinculação com a militância nas ruas ao desconhecer as palavras de ordem escolhidas popularmente nos atos de Floripa, que foram cantadas sistematicamente fora dos seus ritmos usuais. É uma vergonha que a UNE, com o aval do DCE UFSC, que a constroi e dá legitimidade, concentre suas forças em mandar militantes para disputar nosso ato, em uma cidade em que a luta já tem seus contornos mais fortes e combativos, ao invés de buscar atuar em suas outras bases locais, impulsionando a mobilização. Isso demonstra, enfim, o verdadeiro objetivo a que a entidade se propôs com sua visita, que é frear nossa luta.

O segundo fator foram as práticas espontaneístas e oportunistas que, dentro do Movimento UFSC contra o Future-se, fizeram do ato um espaço de disputa por protagonismo, deixando nossa pauta em segundo plano. Por que isso ocorreu?

2. Contra o dirigismo explícito, um dirigismo informal ainda mais ilegítimo

O que estamos chamando aqui de dirigismo não é a tentativa de disputar uma orientação tático-estratégica para o movimento, tarefa política legítima para as organizações políticas e mesmo para sujeitos independentes. O dirigismo se expressa quando a busca por se legitimar e apresentar como liderança é visto como tarefa primordial, colocada acima da busca por fazer avançar a força e as conquistas da luta. É essa intenção de formar referência e ser visto como vanguarda que leva diferentes grupos a disputar quem faz mais falas, quem reivindica a glória de ter proposto determinado encaminhamento, puxado determinada ação – e, pior, quem é mais radical ou quem faz a crítica mais devastadora ou difamadora do grupo adversário. Tais disputas tiram do centro do debate a discussão honesta sobre nossas estratégias e nossos objetivos, impedindo a crítica e autocrítica feita com disposição, não só de assumir os próprios erros, mas de reconhecer os acertos das organizações e movimentos não alinhados. Visto dessa forma, identificamos dirigismo tanto na diretoria do DCE quando na atuação do Movimento UFSC contra o Future-se.

O início do Movimento UFSC contra o Future-se está marcado por uma vontade legítima de fazer a luta acontecer, impulsionada por uma incapacidade do DCE em acessar as bases dos cursos e transformar a luta em algo menos centralizado do que a representação burocrática da entidade, inclusive ao não incorporar táticas de luta surgidas fora das organizações que compõem a gestão. No entanto – mesmo com algumas organizações e entidades participando das reuniões iniciais que levaram a formação do Movimento – ele surgiu sob o discurso de rejeição ao movimento estudantil e suas entidades. É a partir dessa narrativa que ele se desenvolveu cada vez mais como uma minoria radicalizada, sem disposição para construir as entidades de base, cujas ações se voltam à disputa e ao ataque contra o DCE.

É necessário apontarmos uma derrota ideológica ao individualismo nesse processo. Enquanto nossas principais lutas nos últimos anos foram organizadas por articulações de entidades – seja por uma rede de CAs à esquerda do DCE, pela Comissão Unificada, pela Coordenação Estadual de Entidades em Defesa da Educação Pública (COEEDEP) ou pelo Fórum de Lutas – agora estamos dependendo de uma articulação de indivíduos, onde a participação coletiva de estruturas de base é mal vista, chegando ao limite de considerar acordos coletivos e a participação da base como formas de burocratizar ou frear a radicalização. A luta, com pretensão de radicalidade, se torna uma tarefa relegada a poucas pessoas, aquelas “capazes” ou “iluminadas” para fazer tal ou qual ação. E, pior, justo na principal mobilização estudantil dos últimos três anos, quando estamos formando uma nova geração de militantes.

Um comentário à parte deve ser feito sobre a Juventude pela Revolução Brasileira (JRB) e o fetiche dirigista. A organização lançou o primeiro posicionamento público pelo fim da greve na UFSC e, hoje, junto com as organizações que compõe o DCE, fazem a frente de defesa do final da greve. O grupo construiu e insuflou a proposta de greve enquanto foi conveniente, a fim de se apresentar como alternativa mais radical ao DCE UFSC, com o qual essa organização rompeu. No entanto, pouco tempo após o início da greve, quando a JRB se vê incapaz de dar a linha política do Comitê de Greve ou hegemonizar o UFSC contra o Future-se, se volta rapidamente contra a greve, atuando para desmobilizá-la nos cursos.

3. A tirania das organizações sem estrutura

Um coletivo não é mais ou menos vanguardista e autoritário pela ideologia que diz possuir, mas sim por sua forma prática de organização e postura nos espaços de construção política. Ainda que não existam chefes ou lideranças eleitas, coletivos que não possuem uma estrutura interna com distribuição de tarefas e acordos coletivos de organização abrem espaço para lideranças autoritárias informais. É o que acontece em um bloco de rua que tenta arrastar pessoas para tomar a frente de um ato sem nem mesmo apresentar às pessoas a proposta do que será feito, ou o que acontece em uma reunião aberta do movimento em que as principais linhas a serem tomadas já foram discutidas antes entre um núcleo duro – mesmo que se apresente como independente ou autônomo.

Em nossa greve, essa criação de autoridades informais se aliou a uma forte meritocracia tarefista – quem participou de mais reuniões ou organizou mais ações de greve se vê na posição de quem pode decidir mais coisas e se torna imune a críticas. Não causa surpresa que essa postura afasta muitas pessoas da construção coletiva, especialmente estudantes mais novas, com menor histórico de ações ou conhecimentos práticos da luta, como coordenar reuniões, diagramar panfletos, fazer cola de lambe, montar um piquete, etc. A militância se torna tarefa de especialistas, aos quais as novatas devem obedecer ou sair de perto para não atrapalhar.

Valorizamos a importância do UFSC contra o Future-se para a greve que temos hoje. O Movimento fez a greve se tornar possível, possibilitou assembleias massivas e uma grande publicização das ações com produção de material, assim como tem pautado a fundamental ida de estudantes a outras cidades. Frente às dificuldades organizativas e o freio de mão puxado por alguns setores, conseguiu rapidamente puxar ações e iniciativas de luta que saíam do papel e, assim, deram vazão à vontade de atuação de muitas e muitos estudantes, inclusive nós. No entanto, esse polo aglutinador também levou ao esvaziamento de centros acadêmicos e espaços de base; e, neste momento, só a capacidade de construir a radicalidade dentro de cada curso e programa, com amplos setores, pode manter viva nossa greve. Forma de atuação esta que é oposta a se isolar em ações não discutidas nos espaços de representação de base, como os Comitês de Greve.

Consideramos que a situação de desarticulação nas bases de vários cursos é fruto desse processo espontaneísta e sectário de construção da greve. A primeira tarefa de cada estudante que acredita nessa luta é conversar e construir com as pessoas que estão na mesma situação que a sua, ao invés de conversar apenas com seu grupo de afinidade política. A melhor ação a se tomar não é aquela que gera mais adrenalina, mas aquela que produz mais força coletiva.

4. Nossa greve é muito maior do que essa disputa por protagonismo

Estamos entrando agora na sexta semana de nossa greve. Apesar de muitos cursos não terem efetivado a greve e outros já terem saído dela, o fato é que, neste momento, ainda temos greve na maioria dos cursos do CFH, CED, CCB, CCE e CCA, além de alguns cursos e programas em outros centros. Não por acaso, muitos desses espaços são aqueles que tiveram atuação cotidiana de seus centros acadêmicos nos últimos anos, em especial com forças políticas à esquerda do DCE UFSC.

Ao invés de interpretar a greve a partir das posições tiradas por cada organização política, é necessário olhar para essa base, constituída por milhares de estudantes que ousaram lutar, enfrentar professores, a mídia e o governo para afirmar interesses coletivos: garantia de suas bolsas, sua alimentação, educação pública e o emprego de tantas trabalhadoras terceirizadas. Se outras forças políticas olham para essas maiorias com desinteresse, ou como uma massa amorfa para ser conduzida, é papel de quem acredita na ação coletiva e de base priorizar a participação nesses espaços e analisar a greve partindo desse ponto de vista, de sua estratégia e vontade de lutar. São esses os sujeitos que decidem se a greve continua ou não, pois são eles que a fizeram acontecer desde o início.

Abaixo do radar da maioria das análises, a mobilização nas bases dos cursos nos mostra um processo de formação política; ida para as praças e escolas; articulação nacional; vínculo com trabalhadoras de todas as categorias da UFSC, incluindo terceirizadas; e participação em outras lutas que já acontecem fora da universidade. Um caldo de construção e vínculos que pode dar reflexos importantes para os próximos anos, dependendo da capacidade de nossas entidades, movimentos e coletivos de acolher a militância que se forma no processo.

5. Nossa tarefa, seja na greve ou após dela, é construir a radicalização de base

A greve estudantil na UFSC vem revelando a necessidade e o potencial da articulação das milhares de estudantes na luta em defesa de uma educação a serviço do povo e de uma formação que possibilite que decidamos o futuro que queremos construir. Enquanto o Programa Future-se segue avançando nas instâncias de poder do governo, trabalhadoras terceirizadas da UFSC seguem demitidas e o orçamento para as universidades públicas segue reduzido para o ano que vem. Caminhamos para o retorno à universidade restrita à elite branca do país, enquanto a população caminha para a fila do desemprego. Isso só mostra que nossa luta deve seguir e que devemos seguir fortalecendo as bases, nos formando e construindo horizontes coletivos que nos permitam agir também coletivamente.

Essa construção deve ser permanente e se dar de forma organizada, na criação de relações de confiança e aquisição de sentido às ações realizadas. É necessária a articulação com estudantes independentes, evitando uma atuação difusa, desgastante e individualizada, capaz de crítica e autocrítica; é necessário reconhecer que as vitórias são possíveis quando vemos no fortalecimento das bases a razão de engajamento na luta e a garantia de um horizonte comum e significativo; é necessário admitir que ser radical somente é revolucionário e muda a vida quando essa radicalização é desde a base, de forma massiva. É o exemplo que a luta popular no Equador tem nos dado; milhares de indígenas ocupam Quito organizadas em sua entidade, a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE), que desde 1986 faz trabalho de base e agrega força social para que neste momento possa tomar as ruas, avançando com o povo oprimido contra o projeto neoliberal que toma toda a América Latina. Protagonizada por um povo organizado, vemos na radicalidade equatoriana a ação coletiva como seu motor de luta e no dizer-fazer sua estratégia.

CONSTRUIR DESDE A BASE UMA GREVE FORTE!
EM TODA A AMÉRICA LATINA, LUTAR DIZENDO-FAZENDO, DESDE ABAIXO E A ESQUERDA, CARAJO!

Resistência Popular Estudantil – Floripa
14 de outubro de 2019

Carta à greve #2

Mesmo com a greve das trabalhadoras e trabalhadores dos Correios, nossa segunda carta chegou. E é justamente sobre a adesão nos últimos dias a essa tática, dentro do campo da educação e nas demais categorias da classe trabalhadora, que queremos refletir em nossa segunda escrita coletiva sobre impressões e esperanças da greve que se desenha na UFSC. Embora a categoria docente tenha optado, na semana passada, por não aderir à greve de tempo indeterminado, acreditamos que temos bons motivos para continuar com toda a força.

1. No embalo domovimento da UFSC, já vemos outras universidades pautarem a greve

Nossas companheiras e companheiros de outras universidades nos enchem de uma alegre rebeldia e da certeza de que essa luta está para muito além de nós. Desde 17 de setembro, as estudantes do campus Jaguarão da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) estão paralisadas em luta. Na UNESP de Marília (SP), houve paralisação nos dias 18 e 19 de setembro com chamado a uma Greve Nacional da Educação. As docentes da UFPR, nossa vizinha do Paraná, tiraram indicativo de greve por tempo indeterminado e assembleias estudantis também têm discutido a construção da greve. Na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), a Reitoria foi desocupada após a vitória na reivindicação pelo pedido de destituição do interventor Recktenvald, a ser aprovado no Conselho Universitário – decisão acompanhada de perto pela categoria docente, que discute uma greve por tempo indeterminado caso o interventor não saia.

2. A luta pela educação é também uma luta contra o desemprego

Enfrentamos tempos muito difíceis para a educação pública, mas não podemos perder de vista que a vida está dura para todo o povo. Neste ano, foram milhares de pós-graduandas e pós-graduandos com as bolsas cortadas, retribuição que é a única fonte de sustento de muitas trabalhadoras que produzem pesquisa no país. Realizar produção acadêmica e científica é uma forma de trabalho importante para a sociedade, que ocupa tempo e esforço significativos, mas que opera em uma lógica de precarização ao não oferecer salário real nem direitos trabalhistas. Por isso, cortes nas bolsas são sinônimo de aumento do desemprego em massa que vive a classe trabalhadora brasileira!

Além disso, os cortes no orçamento da UFSC levaram à demissão de quase 100 trabalhadoras e trabalhadores terceirizadas. Por todo o Brasil, esses cortes significam mais milhares de pessoas sem emprego. Essa situação só reforça o atual quadro de crescimento alarmante dos trabalhos precarizados e sem direitos, os fenômenos da terceirização e uberização que avançam junto com o projeto neoliberal, explícito em propostas como a Reforma Trabalhista, aprovada em 2017.

A verdade é que o “trabalhador brasileiro é tratado que nem lixo”! É fundamental que nossa greve fale alto e fale sempre: estamos na luta junto ao povo por serviços públicos, direitos sociais e por mais emprego!

3. A precarização do trabalho e aumento no custo de vida serão enfrentadas com luta popular e mais greves

Porém, que nem o Criolo, estamos “pra ver um daqui sucumbir”. Historicamente a precarização da vida sempre foi respondida através de lutas coletivas por melhores condições. O aumento do custo de vida, aliado às altas taxas de desemprego e sub-emprego, são uma afronta direta à classe trabalhadora que é sentida na pele.

A greve é uma maneira concreta de responder àqueles que nos roubam lá de cima, em um projeto colocado em prática pelo Estado e o mercado. Assim, ressaltamos que trabalhadoras dos Correios começaram recentemente a primeira greve nacional deste ano, na luta contra a privatização da companhia pública que, desde 1663, possibilita a correspondência entre gente dos mais diversos lugares. Quem não lembra do filme Central do Brasil e tudo o que uma carta carrega na história de nosso povo?

Além dos Correios, trabalhadoras da CELESC (Centrais Elétricas de Santa Catarina) estão para entrar em greve na próxima segunda-feira, dia 23, reivindicando o que a empresa não cumpriu desde o último acordo. A categoria dos petroleiros também está em estado de mobilização e há discussão sobre greve, após a intenção da Petrobras em não renovar o Acordo Coletivo de Trabalho – a proposta da empresa foi rejeitada e, neste momento, há mediação junto ao Tribunal Superior do Trabalho. A categoria dos caminhoneiros é mais uma que discute a possibilidade de greve, frente ao não cumprimento das tabelas mínimas de frete e o aumento do diesel anunciado na última semana.

4. Construção da greve com a força de cada setor que luta ao nosso lado

É dentro desse panorama de lutas, indignação popular e grandes necessidades materiais que nós começamos há duas semanas uma greve estudantil e chamamos o país a uma greve nacional da educação. Nossa pauta é justa e urgente: as bolsas que sustentam nossas pesquisadoras, o dinheiro que garante o emprego das trabalhadoras terceirizadas, a manutenção do restaurante que nos alimenta e a continuidade da educação pública, acessível às classes oprimidas. A verdade é que não temos nem mesmo do que abrir mão: são reivindicações básicas que cada uma de nós precisa.

A vitória do movimento grevista é incerta, é verdade. Porém, nossa escolha foi feita na coragem e na certeza de que a ação direta é a arma que nos temos. Temos a certeza da história vitoriosa de greves construídas em todo o mundo, em que o povo organizado conseguiu fazer valer seus direitos e sua vida digna. Também temos a certeza de que não estamos sós: a luta se expande por toda parte onde há injustiça. Se a Amazônia queima nas mãos do latifúndio e a violência policial é norma nas periferias de Florianópolis e do Brasil, é com uma greve geral que conseguimos unir nossas indignações e dar um basta a esse projeto de morte.

Dentro da UFSC, temos a decisão das servidoras técnicas pela greve nesta semana. Também temos quase 400 docentes que votaram pela greve por tempo indeterminado e novas ações de mobilização que serão propostas, incluindo a adesão aos dois dias de paralisação nacional da educação – que só terá qualquer utilidade se servir para impulsionar a construção da greve nacional por tempo indeterminado, o quanto antes.

A luta não para no primeiro obstáculo. Sem perder a fé em nós e em nosso horizonte de vitória: se a luta parece incerta, encontremos a certeza nos olhos de nossas compas lado a lado, dentro da UFSC, nas outras universidades em que a luta se fortalece, nos Correios, na CELESC e nas demais categorias em luta!

NÃO TÁ MORTA QUEM PELEIA!
RUMO À GREVE GERAL!

Resistência Popular Estudantil – Floripa
23 de setembro de 2019

Carta à greve #1

Iniciamos hoje uma sequência de cartas à greve estudantil que se inicia na UFSC, rumo à greve nacional da educação. São apontamentos e esperanças para a construção da luta coletiva.

No dia 10, lançamos um texto analisando o movimento de greve na UFSC e sugerindo caminhos para a mobilização. Naquele mesmo dia, a Assembleia Geral da Graduação aprovou por grande maioria a tática da greve estudantil, após um processo em que mais de 70 Cursos realizaram assembleias e decidiram por greve ou estado de greve. Um dia depois, a maior Assembleia Geral da história da Pós-Graduação da UFSC também votou maciçamente a favor da greve estudantil na pós. Estamos vendo a história se fazer na UFSC, a partir de nossas mãos, conforme essa jornada de lutas toma força.

Desde então, as servidoras técnicas tiraram um estado de greve; um setor do movimento docente deliberou em assembleia pelo estado de greve e houve as primeiras reuniões de Comitê Geral de Greve, na graduação e pós-graduação. Foram enviados também chamados para que FASUBRA (Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil), UNE (União Nacional dos Estudantes) e ANPG (Associação Nacional dos Pós Graduandos) construam uma greve nacional da educação, tendo a FASUBRA deliberado em plenária nacional nesse final de semana apoio à greve na UFSC e construção de um movimento nacional grevista. Ainda há muito a ser dito e refletido sobre esse processo. Nessa primeira carta, gostaríamos de ressaltar três posições, vinculadas diretamente às atividades de mobilização da semana.

1. Só existirá greve nacional da educação se houver greve de servidoras técnicas e docentes na UFSC

A primeira tarefa desta semana é a agitação e convencimento para efetivar a greve via SINTUFSC e APUFSC. Nosso exemplo já foi dado nas últimas duas semanas, mobilizando uma enorme greve estudantil. As servidoras técnicas votam em assembleia nesta terça (17), as docentes em votação online até a quinta (19). São três dias para encher os corredores de faixas, batucaços, cadeiraços e também de diálogo e argumentação com as outras categorias, seja nas salas de trabalho, nos colegiados, nas assembleias de curso e de centro.

Nossos principais argumentos são o significado histórico da greve, como instrumento que trouxe nossas principais conquistas e direitos; o caráter que estamos construindo de uma greve-mobilização, repleta de atividades e com a tarefa de ir ao encontro da comunidade externa à universidade; a importância da paralisação como demonstração explícita para a sociedade sobre os efeitos das atuais políticas para a educação, que inviabilizam a existência da universidade pública; e a capacidade da tática de greve em estimular lutas similares nas outras instituições de ensino e, até mesmo, nas demais categorias de trabalhadoras. Sem a greve, ainda não há alternativa de luta que esteja à altura em termos de força e impacto.

Por fim, se esses argumentos não forem suficientes, é necessário dizer que a categoria estudantil já tomou essa decisão e a greve virou uma realidade, parando a maior parte das aulas e funções da UFSC. A aposta foi feita, não há como retroceder; só resta à comunidade universitária participar dela e fortalecê-la.

2. A organização da greve acontece no Comitê e Comandos de Greve

Autogestão significa democracia de base e federalismo. É do diálogo em cada assembleia de base e reunião de comando de greve que devem sair as propostas para nossas atividades, que precisam ser apresentadas em um espaço de representação de cada assembleia ou reunião de base para uma decisão comum. Por isso, é fundamental que o Comitê Geral de Greve, que reúne os Comandos de Greve de cada Curso, seja um espaço de participação por delegação.

É pedagógico para a luta que toda a militância seja lançada às bases. Quem quer participar, dar propostas, discutir os rumos da greve precisa fazer isso, antes de tudo, na base do seu Curso, Programa, categoria ou coletivo/setor com representação no Comitê Geral. Propostas que não passaram pela base ou participação individual em Comitê Geral de Greve são formas explícitas de vanguardismo e ferem a construção coletiva da luta.

É no processo da luta que construímos um aprendizado político da delegação com controle da base, que deve ser rotativa e levar em frente apenas as propostas decididas nas assembleias e reuniões de base.

3. A greve demonstra sua força lá fora, não aqui dentro

Na segunda semana de greve, já vimos extensos calendários de atividade construídos em cada Curso e Programa, mostrando a disposição de fazer uma greve viva e ativa. No entanto, a maior parte dessas atividades aconteceu dentro da universidade, restrita à comunidade interna, e ainda por cima reproduziu o modelo de funcionamento tradicional da instituição: palestras e aulas se transformaram em aulões públicos, ainda que geralmente com temas mais críticos. Isso não é suficiente e, no limite, desviam nossos esforços de construir uma greve mais forte.

Existem algumas atividades de formação que podemos realizar dentro da Universidade, desde que elas tenham relação direta com a organização da greve e as atividades externas que queremos fazer: oficina de análise de conjuntura; oficina de controle, vigilância e segurança; debates sobre função social da universidade; debates sobre a situação da educação, ciência e tecnologia públicas; oficinas de produção de materiais; debates sobre comunicação e redes sociais; formação sobre greves, seu papel histórico e o direito de greve. Demais temas devem ser discutidos diretamente nas comunidades e espaços públicos, chamando atenção pública para a greve e seus motivos.

A principal forma pela qual nossa greve incomoda o governo federal e os setores privatistas é quando rompemos os muros da UFSC, seja para falar sobre a importância da educação pública, para denunciar os malefícios das políticas que estamos vivendo ou para somar forças com as lutas que já acontecem lá fora. Assim, temos que centrar esforços em organizar atos; panfletagens; fazer propaganda de rua e intervenções artísticas; levar atividades para escolas e espaços comunitários; fazer comunicação nas redes sociais; e levar nossa disposição de apoio e luta para os movimentos sociais já existentes.

Seguimos na construção de uma greve forte na UFSC, rumo à greve geral da educação.

MAIS FORTES SÃO OS PODERES DO POVO!

Coletiva Centospé,

16 de setembro de 2019.