Artigo escrito a partir das oficinas de análise de conjuntura realizadas nas primeiras semanas de dezembro de 2016 pela mobilização estudantil da Biologia – UFSC, que ocupou o Centro de Ciências Biológicas da UFSC e deu origem à Frente de Arte e Resistência CENTOSPÉ.
“Bater no governo
É coisa do passado
Agora a moda é
No empresariado!”
Primeiramente… primeiramente o quê?
O grito “Fora Temer” ecoou por todas as manifestações populares desde o impeachment. Mais do que isso, essa chamada tomou os muros das cidades, fez parte das músicas e manifestos das escolas ocupadas, roubou segundos de televisão nas invasões das entrevistas ao vivo. “Fora Temer” também esteve presente nas diversas manifestações das artes capazes de refletir seu próprio tempo – para usar as palavras de Nina Simone sobre a essência do fazer artístico.
Agora que temos novas palavras de ordem competindo como elemento unificador das lutas – “Fora PEC 55”, “Contra a MP 746”, “Contra a Reforma da Previdência”, etc. – cabe perguntar: a que propósito serve o chamado por “Fora Temer”? Além de Temer, quem são os agentes por trás desse pacote de maldades em forma de programa de governo? O que quer Sérgio Moro e a Lava Jato? Qual o controle de Temer e do PMDB sobre os outros grandes partidos na Câmara e no Senado? Qual o papel dos grupos que puxaram os atos pelo impeachment nessa nova conjuntura? Por fim, quais rumos podemos tomar como resistência de esquerda nas ruas, escolas, universidades e locais de trabalho?
Uma das perdas que vêm com o pacote de retrocessos apresentado pelo governo de Michel Temer é a Medida Provisória 746, a qual altera o Ensino Médio. No entanto, muito antes de Temer começar a sonhar com o cargo presidencial – antes mesmo de ser mero vice decorativo de Dilma – já havia todo um setor do empresariado nacional articulado, ansiando pelo momento de colocar seus interesses bilionários na mesa. O movimento chamado “Todos Pela Educação” foi um dos grupos ouvidos pelos parlamentares acerca da reformulação do Ensino Médio, entre outros agentes poderosos esmiuçados na reportagem do The Intercept. O “Todos Pela Educação” existe desde 2005 e reúne grupos como Itaú, Unibanco, Bradesco, Gerdau, Santander, Globo, AmBev, Gol, Vale, Natura, McKinsey, Telefônica, DPaschoal, Microsoft e Abril, seguindo as diretrizes do Banco Mundial. Não se trata, então, apenas das vontades de um Executivo impopular ou de um Legislativo majoritariamente alinhado com a Presidência, falamos aqui de um grupo de bilionários e pessoas ligadas ao mercado financeiro que, através de seu braço social, pintam de filantrópicas suas estratégias de longo prazo: para um aumento dos seus lucros, a escola precisa servir mais adequadamente aos seus fins, produzindo o tipo de mercadoria adequada ao sistema que lhes serve, isto é, trabalhadores qualificados e subservientes. A MP 746 é uma deforma empresarial do Ensino Médio, o que coloca em cena um modo legalizado de corrupção: o aparelhamento da educação pública pelos gestores privados.
Não muito diferente da MP 746, está a Reforma da Previdência. Os grupos que dançam em cima dos direitos dos trabalhadores, pela articulação do secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, são quase os mesmos que querem sambar na educação. Bancos como Itaú, Santander e Bradesco, além de representantes de fundos de investimento e fundos de pensões, foram recebidos inúmeras vezes pelo secretário, enquanto as centrais sindicais apenas uma vez, às vésperas da apresentação da proposta. A agenda do secretário, assim como o propósito da reforma, atende a um grupo bem específico, beneficiando exclusivamente os investidores e banqueiros, com destaque para a instituição líder no mundo em serviços financeiros e umas das maiores empresas do mundo, a estadunidense JP Morgan, conhecida por incentivar a inserção de práticas neoliberais na economia de países mundo afora. Segundo a Fenaprevi, representante das previdências complementares (privadas), a procura pelo serviço deve crescer 25% no próximo ano.
Nesse jogo de forças que coordena o governo de Temer, resta só o interesse dos grandes poderosos do mercado mundial. Enquanto os de cima sobem, os de baixo descem: a receita real das micro e pequenas empresas (MPEs) de São Paulo caiu pelo 21º mês consecutivo, por exemplo. Mesmo setores do mercado financeiro, muito alinhados com o impeachment, já falam publicamente sobre o “inferno astral” econômico. Se está difícil no meio da pirâmide econômica, para a classe trabalhadora que (a) sustenta isso tudo a realidade é ainda mais catastrófica. De um ano para cá, tivemos aumento de 3,6 milhões de pessoas desempregadas, somando total 12 milhões de pessoas no país. Se antes já parecia piada, agora não há mais como trabalhar sem pensar na crise!
Mas em qual crise pensamos? Além da econômica, atravessamos uma crise política, impulsionada em grande parte pelos escândalos reunidos pela Operação Lava Jato, que nos últimos dias atingiu a voadoras deputados e senadores, além de inúmeros ministros do atual governo e o próprio presidente ilegítimo. Altos nomes no PSDB, partido igualmente imbricado nas denúncias, já disputam internamente um afastamento do governo para não sujarem seus nomes. Enquanto isso, mantêm como carta na manga o pedido de cassação da chapa Dilma-Temer no TSE, que pode ser usado para tentar novas eleições e chegar ao poder de forma direta quando Temer for dispensável. Por meio das delações premiadas com executivos da empresa Odebrecht, caem um a um os aliados de Temer na rede dos corruptos. O interesse da empresa em manter certos parlamentares nos espaços representativos elucida o quão fraco é apostarmos na queda de uma só figura como garantia, pois, segundo um dos próprios executivos, a relação com representantes do legislativo é importante porque eles “apoiam projetos de nosso interesse e possuem capacidade de influenciar os demais agentes políticos”.
A Lava Jato, então, parece vir para reacender a esperança no cenário político, pois garantiria a limpeza nos espaços representativos. No cenário de escândalos, Sérgio Moro viria como o redentor: no último protesto na Avenida Paulista, no dia 04 de dezembro, via-se o boneco do Super Moro sendo carregado pelos manifestantes. Disfarçado de justiça, sustentando a falácia da imparcialidade, parte da população o deixa agir como se não tivesse lado, como se pairasse por cima dos interesses. Porém, esse juiz de Curitiba – com o poder do supersalário acima do teto da lei – não apenas emite mandado de prisão para corruptos, mas também ri e troca confidências com eles em premiação de revista, como vimos na foto do ano ao lado de Aécio Neves. Além da evidente parcialidade das investigações, Moro carrega a responsabilidade pelo atropelo da presunção de inocência e outras bases do Estado “Democrático” de Direito, assim como sustenta o chamado “pacote anti-corrupção” que dá enormes poderes aos Ministérios Públicos e Judiciário, estimulando o punitivismo e desprezo com que já tratam as classes oprimidas da sociedade. Na luta por um país mais igualitário, que não esteja na mão dos corruptores do poder econômico, não há salvadores da pátria, não há Sérgio Moro que retirará o povo de sua agonia. “O que transforma o velho no novo, bendito fruto do povo será”.
No entanto, se nós somos o povo, cadê a gente? A grande mídia tem dito muito que o povo foi às ruas, principalmente quando trata das manifestações do Movimento Brasil Livre e grupo Vem Pra Rua. Porém, não é o que a análise desses atos nos levam a concluir: primeiro, os números apontam que esses atos diminuíram muito em tamanho. Além disso, o perfil dos manifestantes era majoritariamente de pessoas velhas e brancas, um sub-setor bem específico da sociedade, com uma ampla gama de pautas, desde grupos contra o aborto até defensores do retorno da ditadura militar. Os próprios grupos organizadores trocaram farpas antes dos atos, mostrando que os setores que se uniram pelo impeachment não têm unidade no Governo Temer, apesar de continuar blindando o ilegítimo até então. É evidente que o “povão” ainda não foi à rua, em nenhuma das manifestações anteriores. É essa maioria popular que será o fiel da balança, mudando a situação de figura, caso se mobilize por um lado ou por outro. O que não há dúvidas é que o Governo Temer e o grande empresariado estão de panelinha no ataque a essa massa popular, trabalhadoras e trabalhadores, pessoas usuárias dos serviços públicos.
A realidade se apresenta dinâmica, caótica, mas também estimulante. Perdemos a batalha da PEC 55, mas a combinação entre crise econômica, desemprego crescente, Reforma da Previdência, assim como a desmoralização causada nas principais figuras políticas pelas delações da Lava Jato, proporcionam uma enorme indignação popular, capaz de extravasar a qualquer momento para um lado ou para outro.
Usaremos todos os nossos esforços contra a raiz de nossos problemas e não contra seus galhos podres. Não adianta tirar Michel Temer sem jogar na lata de lixo suas medidas liberais e privatistas. A luta é pelo SUS; pela educação pública crítica e abrangente; pelo direito à aposentadoria digna; pela demarcação das terras indígenas; pela auditoria da dívida pública; pela democratização da mídia; pelo fim da Polícia Militar. A luta não é contra um indivíduo, é contra uma estrutura de interesses e privilégios que não nos representa!
A SAÍDA É COLETIVA! Quando os de baixo se movem, os de cima caem!
E finalmente: LIBERDADE PARA RAFAEL BRAGA!
Frente de Arte e Resistência CENTOSPÉ
dezembro de 2016
Referências:
“Algo de podre no ar: quando as empresas elogiam a luta secundarista” (Passa Palavra)
“Agenda de secretário da Previdência é dominada pelo mercado financeiro” (Carta Capital)
“Previdência complementar deve acelerar em 2017, diz entidade do setor” (Folha)
“Empresários se desdobram para driblar quase dois anos de crise no Brasil” (El País)
“Frases do dia. A conjuntura do final de semana em destaque” (IHU Unisinos)
“Delação da Odebrecht revela troca de leis por doações a campanhas do PMDB” (El País)
“Com Temer, tucanos e famosos, Moro recebe prêmio e defende judiciário” (Folha)
“O pacote anticorrupção do STF e o fator Minority Report” (Lenio Streck)
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