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As lutas da pós-graduação na UFSC e o papel da APG

A Associação de Pós-Graduandos da UFSC é a entidade que representa e mobiliza estudantes de pós em todos os campi da UFSC, nas modalidades residência, especialização, mestrado acadêmico, mestrado profissionalizante e doutorado. Em 2016, éramos mais de 14 mil estudantes, dos quais cerca de 7 mil são de mestrado e doutorado acadêmico. Neste momento, a entidade está em processo eleitoral, em que concorre apenas a chapa “Quem tem coragem!“, que estamos construindo junto a outras estudantes de correntes de esquerda ou independentes.

No dia 16 de outubro, o jornal UFSC à Esquerda publicou um texto discutindo a importância da unidade nas lutas nesse período que vivemos e sugerindo que, por isso, a pós-graduação poderia estar dentro do DCE ao invés de organizada na APG. Nós, da Coletiva Centospé, gostaríamos de discutir essa proposta mais a fundo, apontar motivos para manter a APG enquanto entidade e, mais especificamente, explicar por que decidimos construir a chapa “Quem tem coragem!”.

Unidade sem luta, luta sem unidade

É verdade que a separação das entidades estudantis não é a única forma possível de organização estudantil, nem que será necessariamente a melhor opção em qualquer momento histórico. No aniversário de 100 anos da Greve Geral de 1917, lembramos das propostas do Sindicalismo Revolucionário, que estimulou a fundação de muitos de nossos primeiros sindicatos e foi responsável por muitas das maiores conquistas de nossa classe: antes do atrelamento dos sindicatos ao Estado, muitos deles foram ferramentas de luta que não eram restritas a uma única categoria. Com isso, promoviam a consciência e solidariedade de classe, inclusive realizando greves solidárias às reivindicações de outras categorias. Com isso, o Sindicalismo Revolucionário apontava para um método comum de luta, através da Greve Geral, e um horizonte de conquistas que contemplasse todas e todos os trabalhadores.

Também é verdade que estudantes de pós-graduação estão na mesma categoria que estudantes de graduação, embora muitas vezes não se reconheçam na luta do movimento estudantil. Porém, a questão é como superar essa situação e construir um movimento forte na pós, capaz de somar forças às demais lutas da Universidade. A realidade que enfrentamos como estudantes de pós envolve várias especificidades.

A forte pressão produtivista e a natureza da relação de orientação possibilitam formas muito próprias de assédio moral e sexual, estresse ou exaustão. Os dados sobre assédio e saúde mental na pós-graduação brasileira demonstram uma verdadeira epidemia. Ao contrário da graduação, geralmente não mantemos uma relação próxima com nossa turma de ingresso, particularmente após o primeiro ano de curso, e a realidade de uma ampla parcela de estudantes vindas de outras cidades conforma uma situação de grande isolamento: dentro do núcleo/laboratório ou mesmo na solidão junto a livros, artigos e computador.

As bolsas atuais, cujo valor não é diretamente vinculado às bolsas da graduação, são indignas para quem já dedicou vários anos aos estudos, na maioria dos casos trabalhou fora da Universidade e precisa, muitas vezes, sustentar uma família – o que certamente acontece na graduação também, mas não na mesma proporção. Com isso, a luta por bolsas se une à luta contra o desemprego ou a precarização de sub-empregos que acumulamos junto aos auxílios da CNPq e CAPES. Na prática, o trabalho científico no Brasil não é tratado como emprego, pois é feito majoritariamente por bolsistas – quando não é sustentado pelas famílias de quem pode pagar. Somos trabalhadoras e trabalhadores da produção de conhecimento, mas não temos direitos trabalhistas ou previdenciários básicos e recebemos muito menos do que nossos pares em outras profissões.

O tempo que estudantes de pós-graduação passam na Universidade – 2 anos no Mestrado, 4 anos no Doutorado, mas muitas vezes afastado em parte desse período – sugere outra dinâmica de organização, assim como o nível de exigências e tarefas acumuladas pelos motivos citados acima. Não é plausível, portanto, esperar o mesmo ritmo de militância que é comum na graduação, onde chegamos a realizar várias reuniões por semana. Atrasar disciplinas ou se organizar para ter “semestres mais leves” simplesmente não acontece.

Hoje a luta na pós-graduação é tocada principalmente por quem já participou do movimento estudantil na graduação e, muitas vezes, por quem ainda mantém vínculo e relação política com a luta de outras categorias da Universidade. Se, por um lado, este perfil é de um sujeito com experiência e compromisso, também é um perfil minoritário entre nossa categoria.

Se ainda não aproximamos setores mais amplos da pós-graduação nem temos uma cultura de luta bem consolidada, precisamos cultivá-la a partir do trabalho de base em cima das nossas demandas mais urgentes. Isso exige construir identidade com tantas e tantos estudantes que vivem as situações descritas acima e dedicar nosso tempo nessas lutas. Frente a essa situação, avaliamos que apenas somar nosso processo de organização ao DCE reforçaria muitas das dificuldades encontradas hoje para mobilizar a pós, pela diferença de pautas, pelo ritmo próprio e principalmente pela falta de identidade.

Não defendemos, com isso, que a unidade é indesejável, nem que o projeto de Universidade desenvolvido na luta da pós seja necessariamente distinto daquele construído entre as demais lutas sindicais ou estudantis da UFSC. O que apontamos como tarefa para o momento atual é mobilizar a partir das pautas mais imediatas e urgentes de nossa categoria como condição para criar cultura de luta, reforçar contatos, formar um caldo. A tarefa da militância é fazer a relação entre o imediato e o geral, entre as necessidades básicas que podem movimentar esse sujeito e o projeto mais amplo de Universidade, que disputaremos necessariamente junto às outras categorias. Ou seja, é nosso compromisso interpretar nossas lutas dentro de uma estratégia mais ampla e coletiva.

Confiamos menos na estratégia inversa, onde primeiro se estabelece a unidade por cima, para depois tentar mobilizar. É o processo concreto de reivindicações que demonstra da melhor forma a necessidade fundamental da articulação entre todos os setores de luta na Universidade. A partir do foco nas questões específicas de estudantes da pós, nossa mobilização pode inclusive avançar nas propostas e programas específicos de nossa realidade, dando uma contribuição mais sólida para o projeto de Universidade que precisamos construir enquanto setores oprimidos – estudantes secundaristas, de graduação, de pós-graduação, trabalhadoras e trabalhadores terceirizadas, servidoras e servidores técnicos e docentes, comunidades do entorno da Universidade e movimentos sociais da região.

APG para quê?

Até agora, defendemos a existência da APG enquanto entidade na presente conjuntura. Mas por que assumimos a tarefa de participar de uma chapa e fazer parte da gestão da entidade? O que esperamos que ela faça? Não podemos lutar da mesma forma sem a entidade?

Entendemos que é momento de reforçar as campanhas em defesa das Ações Afirmativas nos programas de pós-graduação, onde as políticas que buscam democratizar o acesso para estudantes negras e negros, indígenas e pobres ainda não chegaram ou tiveram pouco efeito. No entanto, alguns Programas pelo país já implementaram essas ações afirmativas, inclusive na UFSC, e vários outros estão no processo de reivindicação por elas, o que demonstra que é hora de avançar. Sem esses sujeitos em peso na pós, continuaremos com o perfil de quase totalidade de docentes brancas e brancos nas Universidades e não haverá produção de conhecimento verdadeiramente crítico e a serviço do povo.

Fora essa pauta que representaria uma nova conquista, estamos em uma conjuntura de resistência, de luta contra os retrocessos. Isso significa enfrentar os avanços do capital privado na Universidade, das parcerias público-privadas, convênios e também as medidas que anunciam a derrota do princípio de Universidade pública, como as cobranças nas pós-graduações. Temos necessárias lutas contra o produtivismo, assédios, na demanda por políticas de saúde mental, em defesa das bolsas, das políticas de permanência, enfim, tudo que aprovamos no programa de chapa. Fora isso, se queremos lutar pela produção de conhecimento a partir das necessidades populares, precisamos ser também um ponto de apoio aos movimentos sociais e comunidades que estão fora da Universidade, trazer suas demandas e projetos para dentro da instituição.

A direção da entidade não vai alcançar essas conquistas. Elas dependem de força social e disputa. Só a mobilização ampla da nossa categoria e a articulação com outros setores pode alcançá-las. É uma tarefa que envolve o conjunto de estudantes, mas que a entidade pode ajudar a mobilizar. Dentro do nosso contexto imediato, poucos programas de pós realizam suas assembleias ou se organizam além da escolha da representação discente. Foi a entidade que mobilizou as principais ações no último período, é ela que tem espaço de representação frente à instituição e que tem maior legitimidade e capacidade para fazer trabalho de base e puxar novas campanhas.

Nessa terça-feira (31) é a votação para a chapa “Quem tem coragem!”, através do site https://capg.ufsc.br. Embora sejamos chapa única, a declaração de apoio à chapa e a votação na terça-feira são importantes demonstrações de apoio para esse programa. Em tempos de retrocessos políticos, em que vemos a organização de setores conservadores e de extrema-direita na Universidade, é fundamental somar forças em um projeto popular, crítico e transformador. Quem tem coragem?

Vote “Quem tem coragem!”: https://www.facebook.com/events/150020025611411/